De Bob Cratchit a Charlie Bucket, passando pela família Weasley nos filmes de Harry Potter, os pobres frequentemente são retratados como os mais bondosos. Essa visão clássica tem sido uma característica popular na ficção desde os tempos de pobreza de Charles Dickens.
Ao mesmo tempo, personagens mesquinhos como Scrooge e o Sr. Burns, de Os Simpsons, costumam ser mais prósperos. Contudo, um novo estudo sugere que esses estereótipos podem não ter muita base na realidade.
De acordo com os cientistas, é na verdade os ricos que se mostram um pouco mais gentis do que os pobres. A diferença, embora pequena, foi constatada após análise de dados de mais de 2,3 milhões de pessoas ao redor do mundo, durante cinco décadas de pesquisa.
Os pesquisadores descobriram que, em geral, as pessoas mais pobres tendem a demonstrar comportamentos menos generosos e amáveis em relação aos outros, uma vez que não podem arcar com isso. “Recursos escassos tornam mais caro para as pessoas de classe baixa comportarem-se de forma pró-social”, afirmam os estudiosos ao The Times.
Embora haja uma crença psicológica de que pessoas com menor renda sejam mais generosas e bondosas, buscando fortalecer os laços sociais que podem ser cruciais em tempos difíceis, os pesquisadores sugerem uma visão oposta. Segundo eles, pessoas mais ricas seriam mais generosas porque simplesmente podem pagar por isso.
Para investigar essa questão, cientistas dos Países Baixos, China e Alemanha analisaram os resultados de 471 estudos independentes realizados desde 1968. Esses estudos examinaram a classe social (renda e educação) e comportamentos “pró-sociais”, aqueles voltados para ajudar os outros ou a sociedade como um todo.
Comportamentos pró-sociais incluem ajudar, compartilhar, doar, cooperar, voluntariar-se, consolar alguém e mostrar cuidado com animais.
Os dados abrangem mais de 2,3 milhões de pessoas, incluindo crianças, adolescentes e adultos, de 60 sociedades, como China, EUA, Alemanha, Espanha, Itália, Canadá, Suécia e Austrália.
De acordo com os resultados, quanto mais alta a classe social, maior o nível de pró-socialidade, apoiando a teoria de que os mais ricos são, de fato, mais generosos. Segundo o professor Paul van Lange, psicólogo da Universidade Vrije de Amsterdã e autor do estudo, a diferença entre as classes foi pequena, mas estatisticamente significativa.
A correlação entre classe social mais alta e maior pró-socialidade se manteve consistente em diferentes grupos etários, sociedades, continentes e zonas culturais. “Independentemente de como medimos a classe social, encontramos uma pequena correlação positiva entre classe social mais alta e mais comportamentos pró-sociais”, explicou o professor van Lange.
Curiosamente, essa correlação foi mais forte quando as pessoas de classe mais alta sabiam que outros poderiam vê-las sendo generosas, sugerindo que elas desejam ser vistas como caridosas, possivelmente por um benefício social desejado.
Além disso, o comportamento real mostrou uma correlação mais forte com a classe social do que as intenções declaradas, o que indica que as pessoas de baixa renda até desejam ser generosas, mas não conseguem.
Van Lange também afirmou que pode ser que pessoas de classes sociais mais baixas sejam mais pró-sociais com aqueles ao seu redor do que com pessoas em geral.
O estudo, liderado por Junhui Wu, da Academia Chinesa de Ciências e publicado na Psychological Bulletin, pode ajudar a entender as “barreiras estruturais à pró-socialidade entre indivíduos de classe baixa”.
“Esta pesquisa pode informar formuladores de políticas e profissionais sobre intervenções potenciais que podem fomentar a cooperação e os comportamentos pró-sociais entre diversas classes sociais”, afirmam os autores.
Por fim, um estudo realizado no ano passado mostrou que a disposição para exibir comportamentos pró-sociais pode depender de uma boa noite de sono. Além disso, outro estudo indicou que comportamentos pró-sociais, como dar presentes, podem reduzir a pressão arterial e a frequência cardíaca.